'Tal como se tivesse um fim em vista, vou atravessar a sala até chegar à varanda por baixo do toldo. Vejo o céu, a que o luar confere uma aparência suave. Observo igualmente os contornos da praça e os dois indivíduos sem rosto que recortam como estátuas contra o firmamento. Trata-se, pois, de um mundo imune a mudanças. Ao passar por esta sala repleta de línguas que me cortam como se fossem facas, fazendo-me gaguejar, levando-me a mentir, encontrei rostos sem feições, despojados de beleza. Os casais de namorados ocultam-se entre as árvores. O polícia está de sentinela a uma esquina. Um homem passa. Trata-se de um mundo imune a mudanças. Todavia, ainda não me recompus o suficiente, apoiada em bicos de pés junto à lareira, afogueada devido ao ar quente, com medo que a porta se abra e o tigre salte, com medo até de formar uma frase. Tudo o que digo está sujeito a ser permanentemente contrariado. Sou interrompida de cada vez que a porta se abre. Ainda não fiz os vinte e um. Estou destinada a ser despedaçada. Estou destinada ao ridículo. Estou destinada a vogar ao sabor das línguas de todos estes homens e mulheres de rostos contraídos, tal como se fosse um pedaço de cortiça a boiar num mar encapelado. Semelhantre a uma alga, sou atirada para longe de cada vez que a porta se abre. Sou a espuma que cobre de branco os contornos das rochas, até mesmo os mais recônditos; aqui, nesta sala, também sou uma rapariga.'
Virginia Woolf, in As Ondas
3 comentários:
Imune a mudancas, cada vez mais o mundo esta...
Bjinho
olhe que não, olhe que não... :p e tu és a prova disso! :) bjao!
trata-se de um mundo imune a quem passa, trata-se de como escavar abismos por quem o tempo passa... tenho vinte e cinco e estou destinada a ser despedaçada, resgada, redicularizada, à vergonha de mim para mim mesma... mas acabamos por ser o que outros querem que sejamos: imunes à mudança, imunes à beleza e a simplicidade do que nos atravessa a alma todos os dias...
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