29.4.08



líquenes I

Algures,
no lugar
mais frio
da memória,

mas
nítido
como um centímetro
quadrado de neve
que pede
a própria luz
à algidez interior,
surge
a paisagem
de líquenes,

líquenes II

o lento trabalho
da metamorfose
entre a alga
e a campânula
venenosa
do míscaro
[protosponja
que se embebe
nas grutas,
na sombra ácida],
o sono
criptogâmico
incapaz de sonhar
a forma duma flor

líquenes III

mesmo
sobre a nitidez
vitrificada tão
intensamente
pela memória
que parece provir
da infra-infância
o súbito
centímetro quadrado
de neve e luz
onde os líquenes surgem
agora
monomicro-
criptomaníacos,

líquenes IV

meticulosos
na humidade
que fabricam
di
luin
do-se nela,
e ela
por sua vez
segrega-os
devagar
em cada
exalação
[sempre mais
do que eram]

líquenes V

tão semelhante
na escala
deste livro
a respiração
minuciosa
do lodo
produzindo
não flores
mais lodo,
sono também
sem sonho

alastrando
na transparência
da água:

líquenes VI

assim
se cumpre
o eclipse
gradual
sobre o centímetro
quadrado que
os líquenes
cobrem
na memória,
assim
a luz e a neve
se ocultam
pouco a pouco, assim
se esquece.


Carlos de Oliveira
Imagem: *cryptorchid

4 comentários:

ninguém disse...

acabei de perceber o que são estas manchas verdes que tenho na aurícula direita...

beijinhos

menina tóxica disse...

:)

bjinho tóxico*

lebredoarrozal disse...

carlos de oliveira é tão bom:D

menina tóxica disse...

ainda conheço tão pouca coisa dele.
mas gosto muito, até agora :)